Não por acaso, o nome desta disciplina é homônimo de uma das principais obras de CELSO FURTADO, o mais importante economista brasileiro do século XX, nascido na paraíba. Em 1959, foi publicada a primeira edição de Formação Econômica do Brasil, livro considerado uma das mais influentes interpretações da história do Brasil, analisando desde a ocupação da Colônia, no século XVI, até a relação entre a crise da economia cafeeira e as origens da indústria, na primeira metade do século XX.
Sua influência manifesta-se por meio de sua vasta produção bibliográfica e no exercício de importantes cargos públicos, aliando a teoria à prática em prol do desenvolvimento econômico com justiça social.
EMPRESA (COLONIAL) AGRÍCOLA
Modelo econômico de colonização adotado por países europeus nos séculos XV e XVI. Consistia em transformar a colônia em produtora de especiarias, que não podiam ser obtidas na Europa, principalmente devido ao clima: açúcar, cacau, canela, por exemplo. Segundo este modelo, toda a produção colonial estava destinada à metrópole, que a comprava a baixos preços e a revendia na Europa, acumulando os lucros desta transação.
O economista Colin Clark identificou três tipos de atividades: as primárias (agricultura); as secundárias (indústria) e as terciárias (serviços). Países muito dependentes das atividades primárias, isto é, dos seus recursos naturais, são menos desenvolvidos do que aqueles que se sustentam mais nas atividades secundárias e terciárias.
COMO SURGIU A EMPRESA COLONIAL AGRÍCOLA?
A empresa colonial agrícola, iniciada com a introdução da monocultura do açúcar no Nordeste pelos portugueses, foi uma experiência de grande sucesso e única durante o século XVI. Para que você possa entendê-la, vamos situar o contexto em que ela se desenvolve.
PERÍODO FEUDAL/ FEUDALISMO
Chamamos feudalismo ou sistema feudal o modo com que a vida em sociedade estava organizada na Europa durante a Idade Média.
A sociedade feudal tinha como bases o poder descentralizado, a economia agropastoril e o trabalho dos servos. Em termos de organização social, havia três estamentos: clero, nobreza e servos.
Prof. Hilário Franco Junior, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Ele afirma que alguns tipos de relação social característicos do feudalismo, como o favorecimento de amigos em detrimento da lei, perduram até hoje.
PORTUGAL ENTRA EM CENA
Desde meados do século XV, os portugueses já vinham explorando a rota do Atlântico, estabelecendo-se em algumas localidades da costa africana, onde cultivavam a cana-de-açúcar. Seu objetivo, porém, era alcançar os fornecedores de especiarias localizados nas Índias utilizando a rota do oceano Atlântico. Para isso, aprimoraram a tecnologia de construção de navios, o que lhes permitiu vencer a travessia daquele que era chamado “mar Tenebroso”, que ganhou este nome por ser muito mais difícil de navegar do que as águas calmas do Mediterrâneo.
Você deve estar se perguntando por que Portugal foi o primeiro país a desenvolver a tecnologia naval necessária para grandes navegações. O primeiro motivo está relacionado à atividade econômica: a necessidade de pesca para alimentar a população. A organização do grupo de estudos chamado Escola de Sagres – integrando cientistas e navegadores de diversos credos e formações – foi, segundo os historiadores, outra razão para o pioneirismo português.
A OCUPAÇÃO PORTUGUESA NA COLÔNIA
GRANDES NAVEGAÇÕES
Este é o nome consagrado pela historiografi a para referir-se à expansão marítima ocorrida nos séculos XV e XVI que ampliou as rotas comerciais, unindo a Europa à África e Ásia. As Grandes Navegações tiveram por maior conseqüência a ocupação do continente americano, então chamado “Novo Mundo”.
MERCANTILISMO
Política econômica de caráter protecionista, o mercantilismo se desenvolveu na Europa ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. Sua base é o acúmulo de capital – representado, naquele período, por metais preciosos (ouro e prata, principalmente), protecionismo alfandegário e balança de comércio favorável. Com o absolutismo, formava os alicerces do Antigo Regime. Segundo o pensamento que vigorava àquela época, os governos precisavam crescer, expandir-se, ir além das fronteiras nacionais. Para isto, era preciso acumular recursos. Como os países europeus não dispunham de ouro e prata, planejaram conquistar outros territórios para obtê-los, as colônias. Lá, poderiam também manter sua balança comercial favorável, forçando o monopólio e mantendo taxas elevadas de comércio para suas colônias. Foi o que aconteceu com Portugal, Espanha, França e Inglaterra, entre outros países.
Portugal era, a essa época, uma monarquia absolutista. Era um dos vários estados absolutistas europeus que surgiram como a estrutura política que a burguesia – que ascendia no cenário econômico – encontrou para garantir o apoio oficial a seus interesses comerciais. Esses interesses caracterizaram o MERCANTILISMO, garantindo os lucros do comércio por meio de um modelo de comércio exterior protecionista.
Estados absolutistas

Os estados absolutistas foram a nova organização política a partir do século XV. Alicerçados no poder do rei e da Igreja, tiveram como características a centralização do poder, o crescimento do nacionalismo e a unificação territorial. A burguesia comercial foi uma importante aliada neste processo, apoiando política e financeiramente os monarcas. Em troca, estes criaram um sistema administrativo mais organizado, unificando moedas e impostos, o que proporcionou, à burguesia, facilidades no comércio.
Burguesia
Classe social que surgiu, na Europa, com o renascimento comercial e das cidades ao fim do período feudal. Os que mais tarde foram chamados burgueses – médicos, artesãos, comerciantes, entre outros – viviam em aglomerados à volta dos castelos medievais, os burgos.
A burguesia passou a dominar a vida social, política e econômica após a Revolução Francesa, no século XVIII, ocasião em que viu atendido seu principal interesse de classe: a garantia dos direitos de propriedade, fundamento de uma sociedade capitalista.
PACTO COLONIAL
“Conjunto de relações econômicas e políticas que subordinavam a colônia à metrópole. No plano político, a dominação era exercida por meio da presença de autoridades civis nomeadas pela metrópole e cujo desempenho era assegurado pela ocupação militar. No campo econômico, o Pacto Colonial significava uma série de obrigações de compra e venda da colônia para com a metrópole".
A consolidação de Portugal como Estado Nacional moderno ocorreu no século XVI. O governo absolutista lusitano financiou as grandes navegações, conquistando novos territórios e submetendo-os ao PACTO COLONIAL. A ocupação do Brasil no período colonial (1500 a 1822) está intimamente ligada à expansão comercial e colonial européia.
A Espanha encontrou ouro e prata em suas colônias, o que lhe permitiu financiar a defesa contra possíveis invasões estrangeiras.
A divisão do continente americano Espanhóis e portugueses disputaram as terras do novo continente americano. Essa disputa foi mediada pelo papa.
O resultado dessa negociação foi a assinatura do tratado de Tordesilhas (1494). Com esse documento, convencionou-se que as terras a oeste do meridiano que corta o Brasil desde o Pará até Santa Catarina ficavam sob o domínio espanhol.
Por não encontrar metais preciosos em seus novos domínios, Portugal enfrentou mais dificuldades para defender seu território americano, o Brasil. Como não tinha recursos suficientes, precisou implantar uma atividade muito lucrativa para financiar a defesa da própria colônia, além de permitir a transferência de lucros mercantis para a metrópole. Assim, introduziu o cultivo de um produto tropical, a cana-de-açúcar, que já vinha explorando em ilhas do Atlântico Sul e era um produto que contava com um mercado em expansão na Europa.
CARACTERÍSTICAS DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO BRASIL
A empresa colonial agrícola introduzida na colônia não se reduzia a extrair riquezas naturais para revenda nos mercados europeus. Era um empreendimento muito mais complexo, que envolvia o desenvolvimento de uma atividade agrícola que seria explorada segundo critérios que proporcionassem o máximo de lucratividade possível aos portugueses.
O sentido da colonização era cultivar produtos tropicais de forma lucrativa para o comércio europeu, de modo a não competir com as culturas de clima temperado existentes na Europa. Os produtos seriam tropicais porque a produção colonial deveria ser complementar, e nunca competitiva, à produção européia.
O sentido da colonização Deve-se ao historiador Caio Prado Junior a noção de sentido da colonização. Em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo: colônia (1969), cuja primeira edição data de 1942, ele defende a tese de que a estrutura da economia colonial, baseada em três elementos principais – o latifúndio, a monocultura e o trabalho escravo –, foi pensada com um único sentido: fornecer gêneros tropicais ao comércio europeu.
• o latifúndio: necessário para permitir o crescimento extensivo da produção, uma vez que a atividade não se expandia com base no aumento da produtividade, mas sim no uso extensivo de terra.
• a monocultura: como a empresa colonial agrícola visava à lucratividade comercial, era mais interessante para o colonizador mobilizar recursos para o produto a ser exportado do que diversificar a produção considerando o mercado interno
• o trabalho escravo: a dificuldade de acesso à mão-de-obra barata diante da necessidade de conter custos de produção levou à introdução da escravidão na colônia, ainda que estivesse em vias de desaparecimento na Europa.
a) inexistência de excedentes populacionais em Portugal;
b) insuficiência de trabalhadores indígenas;
c) ambiente desfavorável na Colônia;
d) uma experiência lucrativa do tráfico de escravos oriundos das colônias africanas;
A existência da escravidão caracteriza a colonização do Brasil como feudal?
O Brasil nunca foi feudal, ainda que sua ocupação estivesse associada à empresa colonial agrícola, sustentada no trabalho escravo. O sentido da colonização foi proporcionar lucros mercantis aos comerciantes metropolitanos, favorecendo o acúmulo de capitais na Europa e a afirmação da burguesia. A utilização do trabalho escravo tinha a finalidade de baratear os custos de produção, o que permitia à burguesia comercial ampliar seus lucros mercantis.
O conceito de produtividade e o uso extensivo de recursos
O crescimento da produção pode ocorrer em decorrência de dois fatores: aumento da produtividade, pelo uso mais eficiente dos recursos ou aumento extensivo dos recursos, isto é, utilização de mais trabalhadores, mais capital ou mais terras. Esse foi o caso do Brasil.
ECONOMIA CANAVIEIRA: ELEMENTO-CHAVE NO SUCESSO DA EMPRESA COLONIAL AGRÍCOLA
O sucesso da empresa colonial agrícola implantada no Nordeste no século XVI está relacionado à introdução da cultura da cana-deaçúcar, especiaria cultivada em clima tropical que contava com grande mercado consumidor na Europa.
Um elemento fundamental que explica esse sucesso foi a implantação de uma rota comercial entre as colônias da Coroa portuguesa, criando uma interdependência entre dois negócios: a exploração de produtos primários na colônia brasileira voltados para o mercado externo, e a exportação de escravos pelas colônias africanas.
Produzir açúcar no Nordeste do Brasil era, de fato, uma atividade lucrativa para os donos de terras na nova colônia. Em primeiro lugar, porque os custos de produção eram baixos: em grandes parcelas de terra, cultivava-se cana utilizando mão-de-obra escrava para o plantio e a colheita, além de gado como força motriz dos engenhos. O solo era fértil, não precisando de cuidados especiais, e o clima – tropical –, favorável. Em segundo lugar, os lucros eram altos, já que a produção estava voltada para o mercado externo, onde o açúcar era uma especiaria, alcançando preços elevados. Daí provinha o lucro. Para a metrópole, ainda era vantajoso pela possibilidade de articular os interesses da Coroa portuguesa ao tornar interdependentes a cultura do açúcar no Nordeste brasileiro e o abastecimento de mão-de-obra escrava das colônias africanas.

A parceria com os holandeses terminou com a anexação de Portugal pela Espanha (1580-1640). Lutando contra a Espanha, que não reconhecia sua independência, a Holanda resistiu à perda do negócio do açúcar e invadiu o Brasil em 1630, estabelecendo-se no Nordeste. A expulsão dos holandeses, em 1654, trouxe conseqüências econômicas graves e duradouras, já que, com os conhecimentos adquiridos na cultura da cana, eles estabeleceram um empreendimento concorrente nas Antilhas, acabando com o monopólio na oferta do produto pelos colonos do Nordeste brasileiro.
A partir de meados do século XVII, com o declínio do preço da cana no mercado externo –devido ao aumento da oferta, com a produção antilhana –, a economia canavieira deixou de ser lucrativa. Os baixos custos operacionais permitiram apenas manter o negócio, mas não ampliá-lo. A crise da economia canavieira não foi superada. Até que a mineração substituísse a cultura de cana-de-açúcar como principal fonte de renda de exportações, no século XVIII, a Colônia enfrentou uma crise provocada pela queda dos preços da cana, enfraquecendo a economia da metrópole.
Economia de subsistência x economia mercantil Economia de subsistência, como o próprio nome sugere, é aquela produzida para autoconsumo, em que o produtor não se distingue do consumidor, sendo desnecessário o uso de dinheiro. Economia mercantil, ao contrário, é aquela em que o produto é direcionado ao mercado; a conseqüente separação entre produtores e consumidores torna necessária a intermediação monetária.
Ainda assim, a economia colonial mergulhou em uma crise da qual só saiu quando houve a descoberta de ouro e diamante, no século XVIII, na região correspondente ao atual Estado de Minas Gerais.
O mesmo ocorreu com outros produtos, como o algodão e a borracha, que conheceram o auge dinamizados pela renda das exportações.
Extraído do Volume 1 do Livro Formação Econômica do Brasil de Alexis Toríbio Dantas e Angela Moulin S. Penalva Santos da UFRRJ e Fundação CEDERJ.